Jornal Floripa
- 19/02/2017
Tem raízes históricas o fato de o emprego público, em geral,
ser um oásis no mercado de trabalho brasileiro. O servidor é protegido por leis
autárquicas que lhe garantem virtual estabilidade — dadas as dificuldades para
se demitir alguém por justa causa ou incompetência —, e, a depender da função,
ainda tem acesso privilegiado a quem lhe pode melhorar o padrão de vida. As
corporações se articulam entre si. Um caso exemplar é do funcionalismo do
Congresso, sempre muito bem tratado por quem faz as leis. Afinal, ele presta
serviços a deputados e senadores, e o dinheiro que recebe é da “viúva”, não tem
dono, segundo a distorcida percepção de quem vive dentro do Estado. O
contribuinte não tem cara.
Há ainda agrupamentos poderosos dentro da máquina
burocrática que conseguem o mesmo. Judiciário, Ministério Público, auditores
fiscais — capazes de derrubar a receita da Federação numa simples operação
tartaruga —, funcionários do Banco Central etc. Não é por acaso que a maior
renda per capita no país está em Brasília. Por isso, existem disparidades no
próprio serviço público. Por exemplo, o salário inicial de um professor de
nível médio, com jornada de 40 horas semanais de trabalho, foi, em 2016, de R$
2.135,64, enquanto o do auditor fiscal em início de carreira, de R$ 15.743,64.
A crise dos últimos três anos — a estagnação de 2014 e uma recessão na faixa de
8% no biênio seguinte —, a mais negativa série histórica do PIB brasileiro,
pior que na Grande Depressão (1929/30), revelou outra faceta nesta comparação
do Brasil do servidor público com o país do empregado no setor privado, a
grande maioria.
Levantamento feito com base na Pesquisa por Amostra de
Domicílio (Pnad), do IBGE, revelado pela “Folha de S. Paulo”, mostra como este
oásis do servidor público ficou ainda mais ameno na crise, em comparação com o
deserto cada vez mais árido do país real. Em 2015, o servidor recebia um
salário médio de R$ 3.152, quase 60% mais que o recebido no mercado formal
(carteira assinada) do empregado privado. Já em 2016, com o PIB em queda livre,
a diferença ampliou-se para 63,8%. Pois o rendimento médio do servidor, no ano
passado, subiu 1,5%, enquanto o do empregado com base na CLT caiu 1,3%.
Prova de que o funcionalismo — principalmente o federal —
está blindado contra crises. Os estaduais e municipais ainda podem ser
atingidos pela crise fiscal, enquanto o empregador federal, a União, continua a
se endividar para pagar salários e arcar com as demais despesas. A explicação
para a diferença de oscilação nos salários é que a estabilidade no emprego
protege o servidor das demissões que a empresa privada tem de fazer para não
falir. No momento, a diferença entre os dois mundos se agrava porque o governo
Temer tem cedido à pressão de corporações de servidores e concedido reajustes
impensáveis no universo privado. Até pagando bônus de produtividade a
funcionários aposentados. Não bastasse a estabilidade. O país sairá da crise
com esses dois brasis ainda mais distantes um do outro.
Fonte: O Globo